a caixa está cheia

Não jogue a caixa de sapato fora porque um dia você irá precisar. não importa o quão você já usou o sapato, nem se ele ainda existe. não importa se a caixa está ocupando espaço, se está vazia ou com teias de aranha, uma hora ela servirá. de repente, quando precisar guardar algo, preencher com coisas velhas, é a ela que você irá atrás. e quando quiser relembrar dos bons momentos, é a ela que você irá recorrer. mesmo que a caixa tenha um significado, alguns significados são mais importantes que os outros.

primeiro uma xicara de chá, depois a morte.

Substitui o café pelo chá e pedi revolução. Do grão para o mato tenho acesso a novas sensações. Meu paladar que já estava habituado ao gosto amargo do café hesitou em sair da zona de conforto e ao sair logo se acomodou, a cafeína faz falta, mas nada como dentes mais brancos e boca sem bafo. O café tinha lá suas vantagens, mas quando estamos aptos a mudar cria-se a ilusão de ter que abrir mão de certas coisas quando na verdade fechamos e trocamos o café coletivo por chá embalado em sachê. 

uma vergonha pra chamar de sua

Essas pessoas, todas essas pessoas que optam por um estilo alternativo, vintage, retrô, cult, que tiram fotos dos pés, que tiram fotos de copos da starbucks, que tiram fotos de comidas, que tiram fotos da avenida paulista, que postam no instagram, que comem paquecas americana, que usam estampas floridas, que usam estampas africanas, que usam máquinas de escrever, que ostentam livros em prateleiras, que desenham mandalas, que ouvem los hermanos, que usam dreads, que compram discos de vinil para decoração, que tentam resgatar um passado que não viveram, que são anacrônicas, que se apropriam de elementos de n culturas, que reduz ao zero a carga histórica, que tira toda identidade dos objetos, que cultua-o de forma supérflua, fico pensando o que seria de todas essas pessoas se decretassem o fim da globalização.
provavelmente só sentiriam vergonha.

ontem eu disse a ele que o amava

Era 1:14 da manhã. Cedo demais para chorar, tarde demais para falar em amar, mas um horário propício para ficar debaixo das cobertas conversando com uma amiga no celular. Mesmo não sabendo exatamente o que é o amor e como manuseá-lo, falar sobre é inevitável. Basta pensarmos no que sentimos de positivo por alguém, que já atribuímos toda carga de afeto ao amor. Tratar esse afeto desequilibrado, inconstante, conturbado como sendo amor, uma palavra tão equilibrada, duas vogais, duas consoantes, me parece injusto - tal como ele. Mas o que me fez dizer que o amava, não foi uma tentativa de vingança com a etimologia da palavra, foi o ódio - mesmo não sabendo exatamente o que seja o ódio, mas no fim, acho que anda de mãos dadas com o amor. Naquele momento, só sabia que estava para ele assim como Joan Jett estava para Jack. E disse que o amava, porque me odiava. Porque parte do peso que carrego, tem seu nome envolvido. Porque a possibilidade de encontrá-lo na escadaria de um terminal de ônibus, como dias atrás, numa cidade com mais de 11 milhões de habitantes, eram minímas e mesmo assim o encontrei. Porque o tempo conspira a nosso favor. Porque meus pensamentos o invoca. E porque mesmo ele tendo percebido toda essa atmosfera que nos cerca, se faz de desentendido respondendo "como assim?".

corpo

meu corpo é sustentado pelo tempo, não por adjetivos. a essência da minha matéria, é a existência. meu contorno é espontâneo.
não quero moldes para se encaixar, padrões para se igualar, roupas para se adequar, palavras para equilibrar as vantagens e desvantagens do meu peso.
que o corpo seja reflexo da vida: desproporcional, instável, conturbado, inominável.
que os movimentos sejam explorados e conduzidos somente pelo meu esqueleto. que os músculos dialoguem com a minha pele sem afrouxá-la. que toda matéria orgânica seja absorvida sem pressa. que a água caminhe entre minhas vísceras como um rio.
que os pêlos me protejam dos impactos publicitários, das peles flácidas, das texturas eriçadas e de toda higienização do que é natural.
amém.

meio ano duas vidas nenhuma nossa

16 de agosto de 2014, nos conhecemos.
você conversava com seus amigos e eu prestava atenção na conversa. iniciou a prova. eu sai da sala de aula várias vezes só para poder olhar o seu rosto. você terminou cedo e foi embora sem dizer tchau. no dia seguinte, fomos embora juntos e você disse "até logo". eu esperei e nada.
26 de agosto de 2014, nos encontramos sem querer.
eu estava no setor de livros da lojas americanas e você indo para o caixa. você me viu, cumprimentou, perguntou sobre a vida e disse "até logo". eu esperei, não faltou muito para começar a te desenhar.
30 de agosto de 2014, tudo conspirava a nosso favor, menos você.
o tempo que passávamos conversando nas redes sociais aumentaram, você tinha me adotado como balcão de dúvidas e parou de dizer "até logo".
Setembro de 2014, começamos a nos xingar: nossos vínculos estavam lapidados.
você não dizia mais "até logo", dizia "beijos".
Outubro de 2014, me viciei de você.
Novembro de 2014, você visualizava.
Dezembro de 2014, você me desejou "boas festas", mas não me desejava.

acabou

Tenho 30 minutos para escrever antes que a bateria acabe.
Há um turbilhão de coisas dentro de mim. Nas entrelinhas dos meus pensamentos, a imagem que idealizei de você transita deixando rastros, danificando meus objetivos, roubando o meu curto tempo. Tempo esse que é a essência da minha matéria, que traz significado a cada pedaço de pele, que reflete no espelho, mas que não retrocede. esvazia com a bateria.

Na entrada do ano você não me desejou "boas festas" como da outra vez porque já estava acompanhado. não que você tenha me esquecido, na verdade nunca nem lembrou, só me enxergava porque têm olhos, não pra mim, mas pra toda matéria sólida. dessa vez eu me tranquei no quarto escuro, só os animais noturnos notaram minha presença. alguns fecharam os olhos.

6% de bateria.

sinto saudades de conversar com você sobre coisas que nunca conversei, te abraçar como das vezes que nunca te abracei, dormir ao seu lado como naquele dia que nunca existiu, mas você disse "eu te amo".